Perseguido pelo regime miliar brasileiro, educador precisou sair do país e aplicou suas práticas pedagógicas em outras nações
No ano em que comemoramos o centenário de nascimento de Paulo Freire, a Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais promove uma programação especial em suas redes socias para homenagear o Patrono da Educação Brasileira. Todo dia 19 de cada mês, serão publicados conteúdos diversos a respeito da vida e da obra do pedagogo. Em junho, abordamos o exílio de Freire, que ocorreu durante a ditadura militar brasileira.A carreira de Freire no Brasil foi interrompida pelo golpe militar de 31 de março de 1964. Acusado de subversão, ele passou 72 dias na prisão e, em seguida, partiu para o exílio. Ele foi preso e exilado por causa de seus métodos inovadores de educação, com foco na transformação social.
Paulo Freire foi considerado um doutrinador, embora seus métodos fossem, em essência, anti-doutrinários. Mas isso não interessava aos militares, que o coagiram novamente no dia 1º de julho de 1964, quando um inquérito chefiado por Hélio Ibiapina Lima fez com que ele fosse à uma delegacia. Ele teria que prestar depoimento sobre “atividades subversivas antes e durante o movimento de 1º de abril, assim como suas ligações com pessoas e grupos de agitadores nacionais e internacionais”.
Depois do depoimento, Freire foi encaminhado a um interrogatório, onde foi questionado sobre sua área e sobre os autores com os quais sustentava suas teses, métodos e resultados no campo da pedagogia. Os temas das perguntas foram diversos, mas o objetivo principal era o mesmo: mapear a ideologia e as posições do professor e entender seu nível de periculosidade.
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Ele ficou três dias preso na delegacia e foi solto em 3 de julho. No entanto, não ficou muito tempo fora das grades e logo foi encarcerado novamente. Sem mandato ou explicações, foi encaminhado ao Quartel de Obuses, em Olinda. Primeiramente, o educador ficou em uma cela solitária no piso inferior, em condições insalubres, mas logo foi transferido para a enfermaria, pois possuía curso superior.
No total, Freire passou 72 dias em cárcere, somando a passagem na cadeia em Olinda e Recife, enquanto lia, discutia e jogava xadrez e palavras cruzadas. No entanto, mesmo depois de solto, não tinha liberdade: ele era obrigado a comparecer regularmente às instalações do Exército para registrar suas últimas atividades. Foi, inclusive, durante um desses inquéritos que ele teve de ir ao Rio de Janeiro, onde, contra a própria vontade, aceitou a recomendação de amigos e buscou exílio na embaixada da Bolívia.
Ibiapina Lima, responsável pelo relatório final do inquérito sobre o pensador, considerou-o um fugitivo. Poucos dias depois da ida para o exílio, acusou Freire de ser “um dos maiores responsáveis pela subversão imediata dos menos favorecidos. Sua atuação no campo da alfabetização de adultos nada mais é que uma extraordinária tarefa marxista de politização dos mesmos”.
O Exílio
Era mês de setembro de 1964, com 43 anos, Paulo Freire partiu primeiro para a Bolívia levando na bagagem uma trajetória de experiências singulares na alfabetização de adultos, de grande alcance social, que rapidamente conquistaram a atenção e respeito por parte de governos, educadores e intelectuais de todo o mundo. Freire ficou pouco tempo na Bolívia, por causa da altitude de La Paz e também pelo golpe de Estado que derrubou o governo de Victor Paz Estensoro.
Seguiu para Santiago, no Chile, onde chegou em novembro de 1964. No exílio neste país, ele trabalhou por cinco anos no Instituto de Capacitação e Investigação em Reforma Agrária (ICIRA) e escreveu seu principal livro: “Pedagogia do oprimido” (1968). Viveu no Chile até abril de 1969, quando foi convidado para lecionar nos Estados Unidos e também para atuar no Conselho Mundial das Igrejas, em Genebra, Suíça. Aceitou os dois convites, permanecendo inicialmente 10 meses em Harvard, onde deu forma definitiva ao livro Ação Cultural para a Liberdade.
“Para mim, o exílio foi profundamente pedagógico. Quando, exilado, tomei distância do Brasil, comecei a compreender-me e a compreendê-lo melhor." (Trecho de uma conversa entre Freire e Frei Betto, extraída do livro Essa Escola Chamada Vida).
Ainda no exílio, entre 1970-1980, após sua transferência para Genebra, assumiu o cargo de consultor do Conselho Mundial das Igrejas. Como conselheiro educacional do Conselho, Freire ganhou maior dimensão mundial. Ao lado de outros brasileiros exilados, fundou o Instituto de Ação Cultural (IDAC), cujo objetivo era prestar serviços educativos, especialmente aos países do Terceiro Mundo que lutavam por sua independência.
Em 1975, Freire e a equipe do IDAC receberam o convite de Mário Cabral, Ministro da Educação da Guiné-Bissau, para colaborarem no desenvolvimento do programa nacional de alfabetização daquele país. Entre 1975 e 1980, Freire trabalhou também em São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Angola, ajudando os governos e seus povos a construírem suas nações recém-libertadas do jugo português, através de um trabalho de educação popular. A África deu a Paulo Freire e a seus colaboradores o campo prático para experiências pelas quais eles tinham esperado tanto.
Foi um período em que Freire viajou muito por alguns países do continente africano, além do asiático, europeu, americano e da Oceania, exercendo atividades político-educativas em alguns países dos cinco continentes. Em especial, na Austrália, Itália, Nicarágua, Ilhas Fiji, Índia, Tanzânia e os países de colonização portuguesa já citados.
Atividades no exílio
CHILE (novembro de 1964 a abril de 1969)
- Assessor do Instituto de Desarollo Agropecuário e do Ministério da Educação do Chile.
- Consultor da UNESCO junto ao Instituto de Capacitación e Investigación em Reforma Agrária do Chile.
ESTADOS UNIDOS (abril de 1969 a fevereiro de 1970)
- Professor convidado da Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachussetts, onde dava aulas sobre suas próprias reflexões.
GENEBRA (fevereiro de 1970 a março 1980)
- Consultor do Conselho Mundial das Igrejas - conselheiro educacional de governos do Terceiro Mundo;
- Presidente do Conselho Executivo do IDAC.
- Viagens por vários países.